Ele não figurava no topo das listas. Nos bastidores do Vaticano, era visto como um nome de compromisso, um candidato de consenso entre os progressistas. Robert Francis Prevost, cardeal norte-americano de Chicago, não era o favorito – atrás de Parolin, Tagle, Zuppi, Aveline e Besungu – mas foi ele quem emergiu da Capela Sistina sob o nome de Leão XIV, surpreendendo cardeais, jornalistas e analistas, e rompendo as apostas seguras de um novo pontificado “italiano” ou “latino-americano”. Um Papa americano, filho de mãe espanhola e pai francês, com raízes também italianas, foi escolhido para herdar o trono de Pedro em um dos momentos mais turbulentos da história recente da Igreja.
A escolha do nome já é, por si só, um manifesto. Leão XIV evoca Leão XIII, o grande pontífice do século XIX, feroz opositor do socialismo e da maçonaria, defensor da doutrina social da Igreja que denunciava os perigos de um Estado submetido ao capital e à dissolução moral. Ao adotar esse nome, Prevost envia uma mensagem cifrada e poderosa: este pontificado não será apenas uma continuidade do progressismo suave de Francisco; pode ser uma guinada – ou uma restauração. Nos bastidores, a preocupação dos setores modernistas foi imediata: Leão XIII, afinal, foi o autor da encíclica HUMANUM GENUS, uma condenação aberta e implacável da maçonaria como força infiltrada nos Estados e nas consciências.
Papa Leão XIII em abril de 1884 escreveu:
“O Gênero Humano, após sua miserável queda de Deus, o Criador e Doador dos dons celestes, “pela inveja do demônio,” separou-se em duas partes diferentes e opostas, das quais uma resolutamente luta pela verdade e virtude, e a outra por aquelas coisas que são contrárias à virtude e à verdade. Uma é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de modo a receber a salvação, devem necessariamente servir a Deus e Seu único Filho com toda a sua mente e com um desejo completo. A outra é o reino de Satanás, em cuja possessão e controle estão todos e quaisquer que sigam o exemplo fatal de seu líder e de nossos primeiros pais, aqueles que se recusam a obedecer à lei divina e eterna, e que têm muitos objetivos próprios em desprezo a Deus, e também muitos objetivos contra Deus.“
Papa Leão XIII em 15 maggio 1891 em sua encíclica RERUM NOVARUM escreveu que a solução socialista é prejudicial à própria sociedade:
“E além da injustiça, parece muito claro que confusão e desordem se seguiriam em todos os níveis de cidadania, e que escravidão dura e odiosa haveria entre os cidadãos. O caminho estaria aberto ao ódio, às recriminações e à discórdia: as próprias fontes de riqueza secariam, com todo estímulo à engenhosidade e à indústria individuais removidos: e a sonhada igualdade não seria, na verdade, nada mais que uma condição universal de abjeção e miséria. Todas essas razões dão direito a concluir que a comunidade de bens proposta pelo socialismo deve ser completamente rejeitada, porque prejudica justamente aquelas pessoas a quem deveria ser prestada ajuda, ofende os direitos naturais de cada pessoa, altera os ofícios do Estado e perturba a paz comum. Portanto, deve-se ter em mente que, no trabalho de melhorar a situação das classes trabalhadoras, o direito à propriedade privada deve ser colocado como uma base inabalável. Partindo disso, explicaremos onde encontrar o remédio.”
Mas quem é Leão XIV? Missionário no Peru durante 14 anos, prior geral da Ordem de Santo Agostinho por 12 anos, bispo em uma das dioceses mais pobres da América Latina, homem que transitou da periferia para o centro da Cúria Romana. Um papa que carrega nos ombros o peso das chagas da Igreja: a crise moral dos abusos sexuais, as finanças devastadas por escândalos, a divisão interna entre progressistas e conservadores. Seu primeiro discurso, com referências à Virgem de Pompéia e um apelo à paz, soou humilde – mas as entrelinhas apontam para uma agenda de reencontro com as raízes doutrinárias e morais da fé católica.
Ao escolher Leão como nome, Prevost se posiciona num campo de batalha maior do que as disputas internas da Igreja: enfrenta um mundo onde globalismo, materialismo e relativismo corroem as bases da civilização cristã. Um mundo cada vez mais hostil à fé, onde a maçonaria e as elites transnacionais – denunciadas explicitamente por Leão XIII – continuam a operar sob novas máscaras. Há quem veja, nesse gesto, uma tentativa de restaurar a autoridade moral da Igreja, desafiando os poderes visíveis e invisíveis que tentam capturá-la.
Sua eleição foi recebida com inquietação nos círculos progressistas, que apostavam em Tagle ou Zuppi para ampliar as reformas de Francisco. Mas também gerou um suspiro de esperança entre os conservadores, que enxergam no novo Papa um possível defensor da liturgia, da doutrina moral e da verdade não negociável. O desafio será imenso: equilibrar uma Igreja fragmentada, resistir às pressões de dentro e de fora, enfrentar a crise vocacional no Ocidente e as perseguições crescentes no Oriente. E mais: resgatar a fé dos fiéis, em um mundo cada vez mais entregue ao niilismo e ao hedonismo.
Sob o olhar atento da gaivota pousada na chaminé da Capela Sistina, a fumaça branca anunciou mais que um novo Papa: anunciou o retorno de uma memória, de um nome que carrega consigo ecos de batalhas antigas, advertências esquecidas e promessas de lutas futuras. Leão XIV não é apenas uma figura de transição, é o sinal de que a Igreja, mesmo cansada e ferida, ainda guarda guerreiros prontos para enfrentar os gigantes invisíveis deste século. E talvez – para surpresa dos que não apostavam nele – seja exatamente o Papa que o mundo não esperava, mas que a Igreja tanto precisava.
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